O que é o Projeto Deslocamentos?

"Meus gestos de hoje talvez não sejam menos expressivos que minhas palavras de antes."

Osman Lins

Deslocamentos: Memórias em Fluxo é uma investigação teórico-prática e tem como ponto de partida Vitória de Santo Antão, cidade situada na Zona da Mata pernambucana, localizada a apenas 50 quilômetros da capital Recife. Partindo desta experiência de cidade, buscamos trazer reflexões através do trabalho de artistas locais e suas relações com o espaço urbano.

Desde jovens, muitos de nós nos deslocamos diariamente para a capital para estudar ou trabalhar, tornando a cidade um local de passagem e trânsito constante. Esta proximidade facilita o acesso a oportunidades de trabalho e estudo, mas contribui para um certo atrofiamento local, sobretudo cultural. Muito do que se estuda e produz aqui acaba encontrando espaço de desenvolvimento apenas em outros territórios. Realidade de tantas cidades do nosso estado e país, a população carece de espaços, conhecimento e acesso à cultura e lazer, enquanto muitos artistas e do que é produzido aqui acabam não tendo condições de crescimento e visibilidade, acarretando no seu esquecimento no passar do tempo e da história ou em sua ruptura definitiva, como é o caso do escritor Osman Lins, cuja saída da cidade é narrada no conto A Partida. Reconhecido mundo afora, mas nunca valorizado na cidade natal, a biblioteca que ainda hoje carrega seu nome – a única biblioteca pública da cidade – é um local abandonado e sem nenhum livro de sua autoria disponível para leitura.

Entre conversas e pesquisas de acervo, buscamos e descobrimos histórias, lugares e pessoas que aqui viveram, neste lugar repleto de chegadas, partidas e ausências. Não focamos em um recorte temporal ou linguagem específica, mas no que estas pessoas criaram que nos tocou de alguma forma. Ou, no caminho inverso, nos perguntamos que histórias os lugares que fizeram parte da vida destas pessoas carregam e se as moveram de alguma forma.

Algumas das pessoas e lugares inspiradores de início foram Raminho Fotógrafo, Martha de Holanda, Celeste Vidal, Dílson Lira e os carros de propaganda, a Cia. dos 10, o Cineteatro Iracema (e Cine Braga), a feira livre, a estação ferroviária, a Av. Mariana Amália… Outros surgiram no caminho.

A dificuldade em acessar informações, tomar conhecimento sobre as pessoas, suas histórias e obras foi uma das inquietações e motivações iniciais. (Falar em memória não enquanto saudosismo, mas como peças de um quebra cabeça, vestígios sobre o trajeto que nos fez chegar até aqui. Entender o nosso apagamento artístico e cultural no passado, então, talvez fosse um caminho para direcionar os nossos esforços no presente.) Foi também um dos norteadores para entender o que seria mantido e o que ficaria reservado como desejo a ser desenvolvido no futuro, afunilando as possibilidades iniciais e também assumindo escolhas para o processo criativo e textual.

Nesta busca, também nos debruçamos sobre nossas relações e memórias pessoais, desenvolvendo nosso processo criativo através das imagens, da escrita e do corpo, com recursos como lambes, fotografia, videoperformance e videopoesia, gerando três vídeos que estão disponíveis neste site.

Como escreve José A. Sanchez: “Uma investigação sobre as memórias, os modos de convivência, as zonas de conflito ou os interstícios de uma sociedade ou de uma comunidade na qual o artista se inscreve ou imerge nunca será uma obra fechada, mas estará necessariamente exposta ao questionamento externo e ao diálogo.” Assim, deixamos abertos aqui os nossos processos de criação e um convite para a reflexão sobre as relações estabelecidas entre a população e os espaços públicos, a necessidade de equipamentos culturais, a memória coletiva e as imagens que se constroem a partir dessas relações.

Metodologia

O trabalho foi planejado e seguiu a partir de dois eixos, cada um dividido por etapas. Embora teoria e prática caminhem juntas e quase sempre tenham sido atravessadas uma pela outra, não obedecendo necessariamente a uma ordem cronológica de ações, mantivemos a divisão desta forma para nos guiar na construção durante a pesquisa e no entendimento posterior do processo.

Eixo Teórico

Realizado entre as/os pesquisadoras/es Débora Bittencourt, Anaíra Mahin (na primeira etapa do processo), Kleber de Oliveira e Durval Cristóvão (na segunda etapa) e o orientador Raphael Bernardo, foi o momento de buscar referências textuais, biográficas, acervos e pessoas que pudessem contribuir de alguma forma, a partir de suas vivências pessoais ou trabalhos realizados. Assim, realizamos leituras e discussão de textos, entrevistas, escritas, análise e seleção de materiais que seriam usados para o processo criativo e no compartilhamento final do projeto.

Eixo Prático

Sob orientação de Raphael Bernardo, além das leituras, foram propostas diversas atividades de criação, onde delineamos nossas próprias relações com a cidade, memórias e lugares de interesse para o trabalho criativo. Junto com o designer David Oliveira, foi feita a identidade visual do projeto e a criação de uma página nas redes sociais para partilhar sobre o projeto. Tivemos também um momento de preparação guiado por Gabriela Santana, onde pudemos explorar mais a fundo e corporalmente os elementos que cada um tinha interesse em desenvolver. Neste momento, já em diálogo com a fotógrafa Brenda Silva, começamos a desenvolver os roteiros do que seria cada vídeo e seguimos para a sua realização.

Ficha Técnica

Produção Executiva e Direção de Produção: Sammia Gonçalves

Coordenação Geral: Débora Bittencourt

Pesquisa: Débora Bittencourt, Durval Cristóvão, Anaíra Mahin

Orientação: Raphael Bernardo

Performance: Débora Bittencourt, Kleber de Oliveira e Raphael Bernardo

Direção de Fotografia: Brenda Silva

Fotografia Still: Karlla Dayane

Assistente de Produção: Kell Soares

Edição de vídeo: Débora Bittencourt

Designer Gráfico e Web Designer: David Oliveira

Revisão de texto: Pagu

Preparação Dramatúrgica: Gabriela Santana

Agradecimentos:
Ana Lúcia Maria da Silva, Ádla Silva, Allyne Matos, Arthur Carvalho, Cristina Francelino, Cristiano Pilako, Durval Cristóvão de Santana, Edson Ribeiro, Edvaldo Barbosa, Fátima, Gustavo Ferrer, Hiago Richerson, Instituto Histórico e Geográfico da Vitória de Santo Antão, Kesia Duarte, Luciene Freitas, Maria do Carmo Maciel de Santana, Maria José de Souza, Ministro (Lavoura), Pedro Ferrer, Rildo de Deus e Melo, Ricardina Guedes (i.m.), Roberto de Deus e Melo, Socorro, Sumaya Bittencourt.